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Como fazer reuniões desagradáveis (ou não)

Com a volta das atividades profissionais, voltam também as indefectíveis e arrastadas reuniões, seja nas empresas, governos, universidades, sindicatos, escolas em geral e em todo lugar onde há gente querendo se reunir para decidir algumas coisas e arcar outras reuniões. Então retomei um texto que publiquei uma vez no Hôtelier News, ampliei-o e o coloco aqui, para mitigar nossas mazelas corporativas e profissionais.

Outro dia estava em uma dessas reuniões cuja finalidade é a gente se mostrar, bancar argumentos e conseguir atingir objetivos óbvios; enfim, uma reunião mais costumeira do que deveria ser em nossas organizações. Enquanto me chateava profundamente ouvindo coisas previsíveis, comecei a reparar no discurso das pessoas e a dividir os argumentos em algumas categorias, o que me ajudou a passar o tempo rabiscando sobre nossas mazelas linguísticas e comportamentais.

Em linhas gerais, nas reuniões, há os discursos aproveitáveis (poucos) e os que ficam entre a inutilidade e o lixo execrável. Comecemos pelos ruins para terminarmos pelos bons, que merecem ser lembrados e exercidos.

Características dos discursos inúteis, desagradáveis ou safados:

Lugares comuns – É a vala comum da mediocridade. São preposições infantilizadas, estereotipadas, repetitivas e, portanto, chatíssimas para quem terminou pelo menos uma graduação. Denota falta de criatividade e de pensamentos próprios.   

Elogios gratuitos ou filisteísmo – Filisteu é o povo não semita, inimigo dos hebreus, do Antigo Testamento. Atualmente significa pessoa inculta, cujos interesses são vulgares ou convencionais; uma pessoa sem inteligência ou imaginação. Um bom exemplo são os puxa-sacos descarados, muito à vontade no seu papel de capacho, bem limpinho, que protagonizam essa categoria.

Autoelogios – É quando a conveniente bonomia se volta para si mesmo. Por meio de indiretas e raciocínios tortuosos, a pessoa acaba por se vangloriar, aparentando humildade, mas deixa em público os rastros de sua pretensa magnanimidade e competência. Em geral, esses autoelogios trazem doses generosas de má-fé.

Auto e inter-referências – É uma mescla dos elogios aos outros com os elogios a si mesmo por meio da mediação de outras fontes: pessoas, textos, filmes, citações, etc. Isso é também chamado de cabotinismo, ou seja, alguém presunçoso, vaidoso, afetado, que tenta atrair a atenção para si mesmo a qualquer preço. Já vi gente se autointitular “líder do grupo”, “exemplo de vida”, algo desnecessário e patético. Com a Internet, é cada vez mais fácil se autovangloriar, mas tudo se dilui no volume da rede. Em uma reunião, isso é tão sutil quanto um pinico de louça na cristaleira.

Lamúrias e lamentações – Uma reunião não é terapia de grupo ou sessão de autoajuda para tentar justificar as próprias mazelas pondo a culpa nos outros, na organização, no governo ou nos alienígenas. Se houver carências (sempre há), seja direto e sugira alguma medida razoável para resolver ou melhorar a situação. É contraproducente se justificar através dos problemas alheios, além de demonstrar ressentimento e pouca estabilidade emocional.

Emocionalismo enfadonho – Na falta de sólidos argumentos e fatos comprovados, as lamúrias se aprofundam rumo à irracionalidade, ao saudosismo, aos questionamentos emocionais calcados num sentimentalismo rudimentar. É uma categoria diretamente relacionada às lamúrias.

Adjetivos exuberantes – Os termos mais comuns geralmente são: intensamente, extremamente, muito grande, muito consistente, postura pró-ativa, contextualizador e por aí vai. Esses adjetivos ou expressões são acompanhados por uma voz emocionada, postura corporal sofrida tentando demonstrar o esforço que a pessoa faz – ou pensa que faz, ou quer enganar que faz – para exercer suas tarefas e comprovar seus feitos, sempre os mais elevados e árduos.

Enrolação – Isso é tergiversar, ou seja, usar evasivas ou subterfúgios, procurar desculpas. Ou ainda usar velhos argumentos ou textos, amplamente conhecidos por todos, para ganhar tempo, espaço e importância na reunião ou, por meio dessas manobras, fugir do assunto principal.

Relativizar para neutralizar – “Se temos problemas, os outros também os têm, e piores que os nossos”. Ou então, “A baixa produtividade de nossa empresa faz-se no contexto da crise internacional e, considerando suas consequências, nosso desempenho nem foi tão ruim assim…”  É algo como um erro justificando o outro; não cola.

Mas nem só de bobagens, de ressentimentos ou de má-fé vive o mundo do trabalho. Nas reuniões também ocorrem momentos de lucidez e dignidade discursiva.

Característica dos discursos produtivos e bem fundamentados

Objetividade – Direto ao ponto, sem rodeios, desculpas ou enrolação. As equipes mais eficientes e eficazes não falam desnecessariamente, mas usam seu tempo para preparar reuniões objetivas e poderem discutir suas táticas e estratégias visando ação. Ram Charan denomina essas qualidades de poder de “execução”, título de seu livro a respeito.

Brevidade –  Diz a lenda que o finado Mário Covas foi a um evento contra a vontade porque tinha outros compromissos, mas prometeram uma cerimônia rápida. Um político menor, que falou antes dele, se estendeu muito mais do que o combinado. Na sua vez, o governador pegou o microfone e disse: “Há dois tipos de discurso, os longos e os bons. Declaro inaugurada a obra, obrigado”. Uma boa reunião é uma reunião rápida, que cumpra a agenda e traga bons resultados.

Discurso lógico e articulado – Argumentos baseados em fatos, dados e informações expostos com um método simples (introdução, desenvolvimento, referências e conclusão) e articulados com outros argumentos relacionados e que se complementam.

Exemplos e fatos relacionados – É a lógica, a coerência e a fundamentação da reunião. Os conceitos, ideias, fatos e exemplos surgem numa ordem que facilite a compreensão dos assuntos tratados, possibilitando que as referências dadas sejam posteriormente comprovadas por meio de fontes bem explicitadas e que tudo garanta uma organicidade à pauta tratada e às decisões tomadas.

Clareza nos argumentos – Aí entra a logística. Uma boa reunião é preparada antecipadamente com documentos (digitais ou impressos) distribuídos a todos (as) para que o encaminhamento seja ágil, racionalizado e eficiente.

Humor na medida certa – Sem cair no relaxo total ou no cinismo deslavado, pitadas de humor são importantes para quebrar o formalismo e especialmente arrasar os emocionalismos, cabotinismos e outras mazelas já relacionadas. Nada como o humor para expor a má-fé, para expurgar ressentimentos, para ridicularizar os pretensiosos e convencer os inteligentes. Conheci um diretor de empresas que era autoritário e centralizador, porém muito correto com as pessoas. As reuniões eram quase uma stand up comedy protagonizada por ele. Se bem que às vezes a coisa desandava, mas, no geral, as reuniões garantiam ótimas risadas e comentários espirituosos.

Bom senso – Isso evita muitos aborrecimentos, atrasos e confusões desnecessárias. Algumas pessoas atingem mais facilmente sua compreensão; outras demoram para entender que o bom senso facilita a vida do grupo e, outras, infelizmente, serão sempre carentes dessa qualidade relativamente rara em nossas organizações.

Tenham ótimas reuniões, se conseguirem.

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