A febre dos sites de compras coletivas passou mais rápido do que se imaginava. Agora, Groupon, Peixe Urbano e ClickOn precisam correr para se reinventar
São Paulo – Em seus pouco mais de 20 anos de vida, a internet já tem uma longa lista de modismos, daquele tipo que chega para mudar “a maneira como pensamos e agimos” e, tempos depois, ninguém mais nem lembra que existiu. Quem se recorda do Second Life, uma proposta de mundo virtual onde os “habitantes” podiam assumir a personalidade que desejassem e montar seus negócios?
No atual mundo da internet, as maiores candidatas a encorpar essa lista são as empresas de compras coletivas. Elas nasceram com o propósito de oferecer descontos em serviços e produtos a grupos de compradores e, adivinhe!, mudar a maneira como compramos…
Mas os sinais hoje são de fim de festa. Nos últimos seis meses, mais de 20% dos sites de compras coletivas no Brasil fecharam as portas — eram 1 050 e hoje são 800.
Nem os líderes desse mercado foram poupados. O americano Groupon, número 1 no Brasil, é uma das 20 empresas que mais recebem queixas no Procon de São Paulo e a segunda no site Reclame Aqui. O Peixe Urbano, empresa com sede no Rio de Janeiro e a segunda maior do mercado, demitiu 200 funcionários — de um total de 1 000 — desde julho.
O ClickOn, de São Paulo, a terceira maior força, saiu de metade das mais de 40 cidades em que atuava. Depois de o faturamento total desses sites no país ter subido 570% entre 2010 e 2011, os resultados do primeiro semestre de 2012 decepcionaram.
No período, o total de vendas foi de 730 milhões de reais, apenas 2% a mais que na primeira metade de 2011, de acordo com estudo da consultoria de varejo online e-bit. No mesmo período, o comércio eletrônico como um todo avançou 20%.
O setor de compras coletivas parece ter entrado em um círculo vicioso. Como o número de cupons vendidos caiu nos últimos meses, algumas empresas aumentaram a comissão que cobram dos lojistas. Os comerciantes, para compensar a elevação das comissões, passaram a oferecer serviços de qualidade inferior aos clientes.
O resultado disso tudo tem sido a insatisfação dos consumidores, que passaram a comprar menos cupons. Casos como o do empresário mineiro Fernando Bernini, diretor da rede de salões de beleza Socila, em Belo Horizonte, tornaram-se comuns. No início de 2011, no auge da febre, as promoções da Socila esgotavam 2 000 cupons em poucas horas.
Há quatro meses, a última oferta que o salão fez levou três dias para vender meros 100 cupons. “O negócio de compras coletivas não se sustenta se os comerciantes acharem que estão dando mais que recebendo”, diz o americano Ken Sena, analista do banco de investimento Evercore Equities, de Nova York.
O fim da lua de mel entre consumidores, lojistas e empresas de compras coletivas é um fenômeno mundial. No último trimestre, o Groupon apresentou queda de 5% em suas vendas globais. Hoje, seu valor de mercado na Nasdaq, a bolsa de valores das empresas de tecnologia, é um quarto dos 13 bilhões de dólares que alcançou ao estrear no mercado de ações em novembro de 2011.
Com um modelo de negócios que periga se esgotar, o jeito tem sido mudar. Novos serviços do Groupon começarão a ser lançados globalmente antes do fim do ano. A empresa está usando sua estrutura de 11 000 funcionários em 48 países para desenvolver um sistema online de gestão para o varejo.
O público-alvo são os donos de pequenas empresas. A atração das ferramentas de gestão é a promessa de aumentar a retenção de clientes, criar um sistema de reservas e administrar estoques. “Os benefícios que a internet trouxe às companhias estão ainda concentrados nas grandes redes”, diz Patrick Schmidt, vice-presidente do Groupon para a América Latina. “Nosso objetivo é estendê-los ao restaurante da esquina”, diz.
Enquanto isso, no Brasil…
No início do ano, o Peixe Urbano colocou em marcha seu processo de diversificação, numa linha completamente diferente da planejada pelo Groupon. Em fevereiro, comprou o Zuppa, site que permite fazer reservas online em restaurantes.
Se alguém ainda estava em dúvida sobre a intenção da empresa de aumentar as fontes de receita, o Peixe Urbano adquiriu em março um site especializado em entregas de comida chamado O Entregador, hoje presente em cerca de cinco cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Até o final do ano, lançará um guia de serviços, com base em sua lista de parceiros, que incluirá bares, hotéis e restaurantes. “Nossa meta é que o usuário possa encontrar a comida ou o entretenimento que quiser já com a avaliação de nossa equipe”, diz Julio Vasconcellos, presidente do Peixe Urbano.
Entre os três líderes do mercado brasileiro, o ClickOn é o que parece mais disposto a continuar investindo no modelo de compras coletivas — na interpretação de parte dos analistas, a principal causa dessa decisão é a falta de apetite para aquisições. “Continuamos querendo virar uma referência de serviços mais baratos”, diz Guilherme Ribenboim, que saiu da presidência do Yahoo! na América Latina no ano passado para chefiar o ClickOn.
Hoje, o site publica cupons de desconto aleatoriamente. Até o final do ano, o plano é ampliar as seções fixas de desconto para teatro, bares e restaurantes. Desde junho, o site está aproveitando sua alta audiência para vender espaço publicitário no portal.
Por enquanto, ainda é cedo para avaliar quem entre os executivos das três principais empresas de compras coletivas está certo no diagnóstico do mercado e nas alternativas mais apropriadas para seus negócios — quem vai conseguir escapar da lista de esquecimento da internet e quem já está a caminho da Second Life.
Fonte: Exame – paginas 168-170